Nova coluna do JC sobre investimentos na área de educação é destaque (03/03/2005)


Junior De Carli

“O Brasil teve o maior superávit externo de sua história!”, diz um sorridente ministro. À frente da televisão, alguém coça a cabeça e pergunta: “vem cá, isso se come com farinha?”. Risco Brasil, IPCA, taxa de câmbio ... o povo não quer saber disso. Mesmo que quisesse, não entenderia. Dentre os parâmetros econômicos, o que ainda desperta sentimento cognitivo na população é o tragicômico salário mínimo, que já nos primeiros dias do mês acaba, marejando olhos de calejados marmanjos – seus barrigudinhos vão a busca de trocados nos sinais de trânsito, fora das salas de aula.

Quanto aos tais índices, pela forma como são explorados pelo governo, servem como cortina de fumaça sobre o pior dos problemas sociais: a miséria cultural ... sistêmica, recorrente. A maioria da população é analfabeta, semi-analfabeta ou pseudo-alfabetizada.
Poucas escolas públicas fogem ao padrão da mediocridade. Para piorar, há cada vez menos profissionais verdadeiramente qualificados buscando o título de professor. Com salários miseráveis e condições de trabalho absolutamente precárias, quem pode foge para o mercado privado.

Esse quadro explica as milhões de pessoas com um mínimo de patrimônio intelectual, um mínimo de salário, um mínimo de amor-próprio. Oportunista, a oposição bate. Sem pragmatismo, teóricos teorizam. Sem esperança, o povo sofre. Mas o governo contra-ataca: lança o Programa Universidade para ‘Todos’ (?).

Essa é mais uma fórmula genuinamente nacional, como tantas outras. Enquanto noutros países se aplica dinheiro no ensino fundamental e médio, o Brasil derrama suas patacas nas entidades públicas para ensino superior – e mal. O slogan, é bem verdade, impressiona, tanto quanto a beleza da palavra “superávit”, mas não resolve o problema social brasileiro. De prático, os adultos têm que sobreviver; as crianças têm que estudar; os jovens, óbvio, têm que se graduar.

Com tantos “tem”, vamos às contas: formar um aluno no ensino fundamental custa menos de 6% daquele das universidades. Apesar de excessivamente onerosos ao erário, muitos dos estudantes das faculdades públicas teriam condições de “custear” seu curso. Assim, cada aluno universitário que somente pagasse o equivalente a seu ônus, financiaria quase 20 crianças do ensino básico ou fundamental. O governo, além de criar fonte de receita para as universidades, destinaria recursos para evitar o aumento de nossa imensa casta dos miseráveis culturais.

Poder público privilegia universitários

Aos que discordam, sugiro uma rápida olhada nos belos carros estacionados pelos estudantes, muitos dos quais presenteados pelos pais após saírem vitoriosos do vestibular. A cruel dedução salta imediatamente aos olhos: os processos seletivos favorecem àqueles que tiveram apoio financeiro das famílias, com escolas particulares e cursinhos preparatórios.

Resumo da ópera: o poder público aceita gastar muito mais com os politicamente polêmicos universitários, ao invés de investir nas crianças e formar cérebros bem-nutridos de informações e de proteínas – força motriz de qualquer economia. No melhor estilo Pôncio Pilatos, a esfera federal delega aos Estados e Municípios a responsabilidade financeira pelos ensinos fundamental e médio.

Enquanto isso, todos assistimos mortes por desnutrição e pela violência. Renda em baixa, miséria em alta. Pessoas morrem até nas filas dos hospitais. Mas tudo melhoraria com adequada educação básica, inclusive as áreas de saúde e segurança.

Parece medianamente claro que o problema não será resolvido com a oferta de mais vagas nas universidades. O problema será resolvido quando houver oferta de esperança. E esperança não virá somente com cesta básica, e programas de assistencialismo.
Embora dar comida seja um necessário e profilático tratamento das mazelas que assola a população. A esperança virá com o Estado assumindo a função de guardião de nossas crianças.

Ao invés de justificar o “quase nada social” por meio de índices sofísticos, deveria o poder público fugir da síndrome do Coelho Maluco, vivido em Alice no País das Maravilhas: correr cada vez mais depressa, rumo a lugar nenhum (...rumo às eleições?).

“Superávit” é conversa para economistas. O povo precisa de escolas que guardem as crianças desde o raiar do sol até o cair da noite, seis dias por semana. Escolas onde as três refeições sejam dadas, conforme orientação nutricional; onde dentistas, médicos e psicólogos cuidem do corpo e da mente daquelas pessoinhas que serão o futuro deste país; onde se faça esportes, reforço escolar, música, artes; onde se aprenda o hino nacional e noções de civilidade. À noite, que as crianças cheguem em casa com banho tomado e dentes escovados, bem-nutridos e esperançosos.

Também professores devem ser bem-remunerados. Como referência financeira, dada à importância dos mestres e educadores, sugiro pelo menos o mesmo salário dos deputados. Vai aí boa sugestão para o novo presidente da Câmara Federal, o deputado Severino.
É preciso mudar a política de investimentos na área de educação.

Quanto à universidade, vamos propor uma de ciências econômicas para o Palocci (ele é médico!) e outra qualquer para o Lula, trabalhando para obter resultados sociais em longo prazo! Que proponhamos, assim, a “Universidade para Poucos”, aos poucos tecnocratas que precisam urgentemente de um curso superior adequado.

Não há outra solução para nossa miséria cultural. A informação é a mais poderosa ferramenta para evolução social.

É de autoria do colunista o livro Mudanças e Contextos, Filosofias, de Jesus Cristo a Bill Gates.




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