Deixa. Os governos podem gastar e se endividar. Eu pago... calado (27/04/2006)


Júnior de Carli

Doze de abril, 7h de uma manhã chuvosa. Numa banca de revistas, compro jornais e revistas. Começaria logo viagem a Humaitá, Borba e Maués. Na seqüência, após rápida passagem por Manaus, iria a algumas comunidades no entorno de Itacoatiara.

Nessas viagens, enquanto a bordo de pequeno avião, tenho tempo de ler e pensar além dos afazeres cotidianos. Eis que na página 118 da revista Veja, bem lá no finalzinho, fixo-me numa propaganda com o irônico título desta Coluna, que assim dizia:

“Eu não posso gastar mais do que ganho, mas tem cidade, tem Estado e o meu país gastando mais do que arrecadam. E não vejo esforço eficiente para reduzir os gastos. Daí a conta não fecha.

Veja bem, nos últimos 10 anos o que se gastou só com pessoal no Executivo, no Legislativo e no Judiciário cresceu muito mais que a inflação. A Previdência Social, para onde vai outra grande fatia do dinheiro dos governos, tem rombo antigo e bilionário.
Enquanto esses problemas não têm solução, o jeito é pedir emprestado nos bancos e pagar mais juros –que são os mais altos do mundo. Em 2006 a dívida pública já passou de R$ 1 trilhão .

É por isso que eu tenho que pagar tanto imposto. Afinal, alguém tem que pagar essa gastança toda. Pago eu. E pago calado ”.

Profundo! O anúncio, financiado por mais de uma centena de entidades, conclui dizendo que “quem cala consente”, e sugere que mandemos e-mail para nossos governantes pelo site www.queromaisbrasil.com.br.

Mas eu, que como muitos, resisto em consentir com desmandos administrativos, além de mandar e-mails decidi transcrever o texto acima e refletir sobre o assunto.

Pensei nas propagandas e nas reeleições

Andando pelo interior alguns fatores sociais chamam atenção. Economia de subsistência, falta de infra-estrutura e saneamento, vêm em destaque. Algumas comunidades sequer luz e água têm. Pessoas ali, abandonadas pelo poder público, não fazem a menor idéia que na capital se gasta dezenas de milhões de reais somente em propaganda, enquanto uma pequena fração daquele dinheiro faria imensa diferença para eles.

E pior. Nas imagens televisivas o interior parece estar em pleno desenvolvimento. Pura balela. A regra, creiam, é o abandono quase total. Algumas vilas mais ‘privilegiadas’ até que têm escola e motor de luz das 18h às 22h. Porém, na maioria das comunidades as escolas são precárias, em madeira estragada, sem janelas e carteiras de aula.

Nossos governantes deveriam ter vergonha na cara. É isso que penso. Com o que se gasta, somente em propaganda, aquele povo do interior poderia sair da idade-média econômica, poderia receber investimentos duradouros e eficazes. Mas delega-se aos falidos municípios a obrigação de investir na construção de salas de aula e em saúde... Pelo amor de Deus, isso é insano!

Será que alguém, que poderia fazer, mas não faz sua parte, consegue dormir sabendo que crianças morrem por quase nada, que adultos sobrevivem somente das esmolas assistencialistas, que não há qualquer perspectiva de futuro para aquela gente? Ao que parece, sim.

De prático, vejo que jacarés e peixes são mais protegidos que gente pelas leis. Têm direitos maiores que os das pessoas, e podem, ainda, vez por outra, comer um bracinho ou um pezinho, isso quando não comem a pessoa inteira. Resumo da ópera: no interior bicho tem mais privilégios que reles cidadãos.

Enquanto isso, nepotismo

Na Câmara Municipal de Manaus, Paulo De’ Carli, meu irmão, briga como Dom Quixote para despertar consciência em seus pares vereadores sobre a injustiça de se empregar parentes com dinheiro público. Ora, cada cidadão deveria ter o mesmo direito de ocupar vagas nos gabinetes. Por que então o político, ou funcionário público graduado, acha-se no direito de estender aos seus entes, ainda que queridos, privilégios que não lhes foi dado pela população? Ao que parece, porque não estão nem aí para o direito do povo.

Enquanto isso, incompetência

Gastar em propaganda parece nada além que cortina de fumaça sobre a incompetência. A verdade é que o Amazonas arrecada muito, mas gasta mal. Cada viagem no jatinho do governo vale por dezenas de poços artesianos. Cada funcionário do ‘mensalinho baré’ vale por um médico a menos. Cada deputado subserviente vale por centenas de professores mal-remunerados. Cada campanha política vale um século de gastos das comunidades. E, cada reeleição custa o futuro incerto de milhares de famílias.

Então, não tapemos o sol com a peneira. O atual sistema trabalha para se manter no poder, ainda que ao custo dos dentes do povo, do analfabetismo, da vida cada vez mais dura das pessoas menos abastadas.

Fico às vezes imaginando quanto recebe de salário um governador, ao final de seu mandato. R$ 2 milhões? Não creio, mas que fosse. Por outro lado, qual o custo de sua campanha? R$ 20 milhões? Acho que é mais. Porém, fiquemos nestes patamares. Quem, em sã consciência, gastaria 20 para receber 2? Ora, essa conta, como a dos gastos públicos, também não fecha. Ou ser governador é o pior negócio do mundo, ou o melhor.

Concluo que nesses números está a gênese da corrupção, do nepotismo... e da incompetência friamente calculada. Por isso tem-se que gastar milhões em propagandas. A técnica está na habilidade de enganar os eleitores da capital, calando com falácias os que estão distantes do subdesenvolvimento do interior. Já para o povo do interior, resta dar uma ‘esmolinha’ à época das eleições, só para garantir o voto. Isso é maquiavélico!
Assim, como pouco de socialmente eficaz eles fazem, sobe a carga tributária... e pago eu, paga você, paga a sociedade.
Então, qual o caminho da mudança? Voto consciente, meu caro... voto consciente.






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