Maués e a festa do guaraná (01/12/2005)


Júnior De Carli

Vinte e cinco de novembro. Sábado. À tarde, o tempo estava mais para nublado. Desde Manaus, o vôo vinha à baixa altitude, desviando de nuvens. Eis que surge abaixo a exuberância que compõe o entorno de Maués. Desviei o olhar para minha jovem esposa, Naira. Seus olhos brilhavam ante aquela beleza, composta por praias, rios e lagos. E ela murmurou: “é lindo”. Íamos à 26° Festa do Guaraná.

Outro avião, que pousou minutos antes, levava o grupo musical Jota Quest, que mais tarde, no meio do show, pararia só para dizer: “Valorizem o lugar onde vocês moram... que coisa louca esse lugar!”. Ele se referia à cultura e à beleza da região.

O Brasil e o mundo, de fato, não fazem idéia do que seja uma festa no meio da floresta amazônica, com 15 mil pessoas dançando e cantando na areia branca de uma praia, tendo como ponto forte apresentação cênica da Lenda do Guaraná. A Festa foi irretocável. Tudo perfeitamente organizado. Junto com o Festival de Parintins, Maués definitivamente deveria destacar o Amazonas no cenário cultural brasileiro.

Mas, pena que ainda não acreditemos em nosso potencial turístico. Se perguntarmos a um lituano, cidadão nascido no gélido norte europeu, se já ouviu falar de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, ou mesmo da Bahia, certamente ele responderá ‘não!’. Mas se o branquelo for perguntado se já ouviu falar de Amazonas, afirmo: dirá ‘sim’. Por motivos diversos, somos uma ‘marca’. Tanto quanto Caribe, Disney, Havaí, Egito, ou qualquer dos principais destinos europeus, a Amazônia desperta fascinação nos gringos.
Tudo seria ótimo não fosse, porém, nossa incompetência em trazer turistas para cá. E essa incompetência é mais grave quando vemos o interior do Estado vivendo numa clássica e profunda recessão econômica. Um desperdício, uma estupidez.

Sobre o porquê da incoerência, em entrevista à Rádio Alvorada, conduzida pelo impagável Franco Costa, disse que nosso poder público é débil, pois não sabe tirar proveito de tamanho potencial. E mais: que nosso povo, por ser naturalmente pacífico, finda por se acomodar e se conformar.

O fato é que no Amazonas temos sido displicentes com nosso riquíssimo interior. Cabe observar que Maués, embora conhecida como a ‘terra do guaraná’, detém hoje somente uns 30% da produção nacional do fruto. Já teve 90%. A maior parte dos pés de guaraná plantados no Brasil estão na... Bahia (!)... isso mesmo, na Bahia. Ora, pelo amor de Deus, isso é o cúmulo da incompetência.

Estrangeiros vão para a Bahia, amazonenses, em férias, vão para a Bahia... e agora, até nossos pés de guaraná vão para a Bahia! Mas dos baianos, nem as Casas Bahia a gente vê por aqui, só na televisão.
É, meu caro leitor, algo tem que ser feito... e urgente.

Então, que alguns se cuidem com o ‘Pariua-á’

Alguns, às vezes, dizem que tenho sangue revolucionário. Talvez tenha mesmo. No século 18, habitavam Maués povos das tribos Munducurus e Mawé. Guerreiros, eram conhecidos por seus costumes bárbaros. Cortavam a cabeça de seus inimigos e as espetavam em varas.

O macabro ‘artesanato’ era chamado de pariua-á (troféu de guerra).
Considerando a adormecida tradição guerreira dos verdadeiros descobridores do Brasil, nossos políticos deveriam temer que, dia desses, renasça alguns rituais praticados pelas nações indígenas contra seus pretensos algozes. Afinal, ainda que nosso povo seja naturalmente pacifista, para tudo há limites.

Em tempo: Não vai aqui qualquer apologia à violência. Sendo assim, recomendo à nação Sateré Mawé outro instrumento para ‘cortar a cabeça’ de seus adversários: o voto. E se assim fizerem, no lugar do ‘Amazonas em Ação’, veremos ‘Políticos sem Cabeção’... Simbolicamente, espero.

Acorda diabo!

Noutra Coluna, neste mesmo Jornal, disse que éramos tal e qual um mendigo dormindo sobre bilhete premiado de loteria. Naquele contexto, falava das riquezas naturais que a Amazônia abriga. Mas aqui vale justo destaque ao potencial turístico.
Com tanta manifestação cultural, com tanta beleza natural, com tanta variedade no artesanato, é no mínimo insensato que uma cidade como Maués dependa basicamente da AmBev e da Prefeitura. O comércio está estagnado, a agricultura mais para menos que para mais, o turismo é pífio. Hotéis e passeios turísticos estão muitíssimo aquém do que requer uma exploração rentável da região. Mas por quê?

A política pública para o desenvolvimento turístico da região está equivocadamente dependente do poder municipal. Por melhor que seja o prefeito, e ele (Sidney) é bom, isso jamais dará certo. Precisamos de investimentos maciços, de parceiros internacionais, de planejamento; precisamos dos governos estadual e federal... precisamos acordar.
Não tenho dúvida alguma que Maués tem tudo pra dar certo. Mas do jeito que desprezamos oportunidades, seu futuro socioeconômico permanecerá obscuro. Essa gente que nos governa é incompetente, essa é a verdade.

Certa vez estava eu num treinamento, quando uma história me marcou. O tema tratava de postura e qualidade no atendimento de clientes. Determinado executivo da companhia, em visita a uma de suas filiais, fez-se de consumidor. Ao entrar na loja, ficou de lá pra cá, de cá pra lá, e ninguém deu bola. Nenhum vendedor veio atendê-lo. Frustrado, saiu. Pensou logo em fazer relatório recomendando mais dinamicidade dos funcionários. Mas de repente, indignado, resolveu voltar. De forma totalmente inesperada, chegou perto de um vendedor, deu um pulo, batendo forte com as solas dos sapatos no chão, e gritou: “Acorda Diabo!”.
Durante os últimos dois anos achava que alguns lá no palácio se faziam de letárgicos. Hoje tenho outra opinião: são letárgicos mesmo. Então, antes de ver ‘cabeças cortadas, vai meu grito de indignação: acorda diabo!

Esta coluna é publicada às quintas-feiras e é elaborada sob a coordenação do administrador de empresas com MBA pela FGV, Júnior De’ Carli. Site: www.juniordecarli.com.br E-mail: junior@juniordecarli.com.br


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