Tefé e a polêmica cubana (24/11/2005)


Júnior De Carli

Amanhecer do dia 21 de outubro. Eu, num pequeno avião, vindo de Tabatinga. Abaixo, a cidade de Tefé. A aproximação aérea, de repente, mostra cena impressionante. A intensidade da seca que então assolava aquela belíssima região. Areia pra todos os lados e água somente aqui e ali, tudo onde antes era um imenso lago.

Do aeroporto, hospedei-me no Hotel Ega’s. O proprietário, Roberto Silvino, foi de uma receptividade ímpar. Larissa Marine e Madalena Gomes, ambas da UEA, foram também de simpatia e competência admiráveis. Tive ainda auxílio de Waldemir Araújo, que dirigia daqui pra lá, e de lá pra cá. Tudo perfeito!

Confesso que estava ansioso. Em Tefé, o evento de lançamento de meu livro traria – como de fato trouxe – atrativos especiais. Com Abel Alves, por quem cultivo imenso respeito e admiração, e com professores cubanos, que ministram aulas na UEA, esperava debater temas polêmicos (destaques para Lula e Fidel).

Iniciado o fórum, observei que a assistência estava repleta de alunos, professores e pessoas interessadas no debate. Pergunta vai, pergunta vem, e logo se destacaram os companheiros vindos da Ilha de Fidel. Todos simpáticos e inteligentes, eloqüentes e convincentes.
Contudo, eis que derradeiramente surge delicado ápice. Fui inquirido sobre “quais foram minhas fontes de consulta para o que fiz constar no livro sobre Cuba e seu líder maior”. A indignação era indisfarçável. “Você está errado!”, diziam.

Fidel desfruta da paixão daquelas pessoas. As áreas de educação e saúde da ilha são motivos de orgulho. Como poderia eu, um reles brasileiro, ter afirmado que o modelo cubano era retrógrado? Estaria eu a serviço dos americanos? ... ou da CIA?
Fiquei em ‘saia justa’. Como responder sem ferir os brios daqueles simpáticos professores? Creio, sinceramente, que findei por feri-los. Era inevitável. A verdade posta, ao menos a verdade em que acredito, foi dura demais. Em tese, desmontava a imagem de ‘ilha da fantasia’ que meus inquisidores tentavam passar.

Por motivos diversos, Cuba optou por política internacional que pouco favoreceu a qualidade de vida de seu povo. O isolamento tecnológico e comercial, mesmo que aos poucos esteja diminuindo, é incompatível com a ansiedade deles em relação ao mundo, e do mundo em relação a eles.

O quê ou quem está certo? Simples: certo está quem busca o melhor para si e para seu próximo; o certo é a liberdade de poder discordar, e comer calmamente ao lado da pessoa de quem se discordou; o certo é ter o direito à opção.
Tais premissas valem não somente para Cuba. Valem para o Brasil, para o Amazonas, para Tefé; valem para qualquer país, para qualquer sociedade.

A ‘verdade’ cubana
Navegando em pensamentos, observava nítida crença em argumentos falaciosos, fecundados na mente de líderes maquiavélicos, adeptos do sofisma, que sempre se valem do ‘lado positivo da coisa’.

Ora, para tudo há um lado positivo. Saddam também tem seus bons argumentos. Da mesma forma Lênin, Stálin e Hitler. Parte das pessoas, hipnotizadas, acreditam em retóricas bem colocadas; outras, desconfiadas, correm delas como o diabo foge da cruz.
Em minha juventude, morei um tempo em Miami. Minha mãe havia se casado com Frank, nascido em Isla de La Juventud. Meu padrasto lutou ao lado de Fidel quando, em 1959, foi deposta a ditadura de Fulgêncio Batista.

Durante minha estada nos EUA, praticamente todos os meus amigos eram cubanos ou deles descendentes diretos. Meu apartamento parecia estar, por assim dizer, num bairro de Ciudad de La Habana. Guardas de trânsito, lojistas, transeuntes em geral, e até professores das escolas públicas, vinham da bela Ilha Caribenha.

Tal experiência, em verdade, não foi absoluta para a formação de minha opinião sobre o regime de Cuba. Afinal, toda história tem três versões: a de um lado, a de outro... e a verdadeira.

E, de concreto, não há como esconder a Guerra Fria. Ela existiu. Não há como negar a parceria de Cuba com os Soviéticos, e que Moscou despachou navios abarrotados de mísseis nucleares para serem instalados nas proximidades da Flórida. Não há como negar que, por conta de Fidel, a Guerra Fria, por pouco, muito pouco, não ‘esquentou’.
Quanto a meu padrasto, logo depois do ‘golpe’ desencantou. O novo regime mostrou-se também ditatorial, e ele guerreou contra seu ex-líder. Quase foi fuzilado no chamado ‘paredão’, onde milhares de opositores perderam suas vidas... e Fidel ‘reina’ absoluto há 46 anos. Seria essa a democracia cubana?

A democracia cubana

Dentre os argumentos dos mestres cubanos de Tefé, faltaram embasamentos para questões relacionadas a conceitos democráticos. Pois vejamos: ao tempo em que se garante a oportunidade de voto ao cidadão, não há o que justifique a existência de um único partido político, o comunista. Falta democracia na ilha. Basta notar que não cabe ao povo escolher seu mandatário maior, e que dentre os parlamentares eleitos é causa para ‘caçassão’ sumária discordar das diretrizes comunistas.

Ainda durante os debates, um dos professores fez chegar a minhas mãos três publicações sobre Cuba. Eu as li, depois, com justa atenção. A que mais me chamou atenção foi uma denominada por ‘Cuba – 300 perguntas, 300 respostas’, assinada por Jorge Lezcano Pérez.
O pequeno livro conta casos sobre tentativas para assassinato de Fidel, da existência de uma máfia cubana em Miami, de crueldades perpetradas por americanos ao povo cubano; destaca o esforço do ‘Estado Socialista dos Trabalhadores’ para desenvolver sua economia, com custo de vida baixo, boa educação e excelente saúde; desmistifica conceitos universais sobre o valor da moeda e modelos econômicos. Enfim, pelo texto vê-se que Cuba está certa e o mundo inteiro errado.

Contudo, esqueceram os ‘historiadores’ cubanos de revelar sua relação doutrinário-financeira com os soviéticos, anexionistas compulsivos; e esqueceram de ‘ver’ que se de fato os ianques quisessem matar Fidel, dar-lhe-iam somente um peteleco...

Esta coluna é publicada às quintas-feiras e é elaborada sob a coordenação do administrador de empresas com MBA pela FGV, Júnior De’ Carli. Site: www.juniordecarli.com.br E-mail: junior@juniordecarli.com.br


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