Apatia governamental, Tabatinga versus Letícia (10/11/2005)


Júnior De Carli

Há exatos 15 dias, chegando a Tabatinga, observei pela janela do pequeno avião outra pista de pouso, bem próxima da que pousaríamos. Causava estranheza tamanha proximidade e a diferença de porte entre os aeroportos. No outro, pousava um grande Boeing, no de cá nosso pequeno Seneca.

Estávamos na divisa entre Brasil e Colômbia. Curioso constatar que fronteiras sejam de fato linhas imaginárias. Tabatinga e Letícia, em sobrevôo, são literalmente o mesmo complexo urbano.

No aeroporto me aguardavam Gustavo e Joyce, estudantes da UEA. Dias antes meus fiéis amigos e companheiros, Tunísia e Garcia, tinham ido à cidade para organizar um fórum de debates sobre meu livro... Impecável!

Após rápida passagem no Hotel Takana, fiquei ansioso para ver como funcionavam os controles na fronteira. Guardas, barreiras com arames farpados, controles de emigração e imigração, alfândega... nada! Somente uma mesinha, na calçada da avenida, com um senhor colombiano trocando pesos e reais. Gustavo pára o carro. Pela janela dou R$ 100 e recebo 110 mil pesos. Pouco à frente, paramos num posto de gasolina lotado de carros e motocicletas, a maioria de brasileiros.

Metro a metro, o visual urbano começa a mudar de cara. Comércio ativo, pessoas indo e vindo, policiais na rua controlando o trânsito. Passamos à frente do poderoso Banco BBV, do palácio de governo do Amazonas (deles), da prefeitura e... de um cassino! Meu Deus, um cassino.

O jogo na Colômbia, ao menos naquela área, é legal. Tentado, entrei na ‘casa de apostas’. Comprei mais 100 mil pesos. Luzes, música, caça níqueis, roleta. Parei numa máquina. Em torno de mim, gente entrando e saindo. Era plena quarta-feira, e todo aquele movimento impressionava. Moedas e alavancas em movimentos frenéticos. Passadas umas duas horas, saí com 130 mil pesos – 30% de lucro!

‘Cheio da grana’, fui às compras. Tentador. As lojas vendem perfumes a preços baixíssimos, também eletroeletrônicos e todos aqueles produtos que um dia vimos na Zona Franca de Manaus, em seus tempos áureos. Deixei lá todo o lucro que tive no cassino. Fazer o quê?

Em resumo, vi uma lição de inteligência. A economia de Letícia atua no vácuo de nossa débil legislação. O posto de gasolina, por exemplo, não estava cheio à toa. A gasolina custa R$ 2,00 o litro... e é gasolina brasileira!

Resultado: eles vendendo, empregando; nós, estagnados (!). Ora, isso não faz sentido algum. Se do outro lado da rua vendem produtos sem impostos, que isentemos também produtos vendidos na região de fronteira. Mas alguns débeis tecnocratas diriam que estaríamos fazendo ‘renúncia fiscal’. Porém, como renunciar o que não arrecadamos?
A cada dia fico mais convicto que nos falta competência. Enquanto isso, eles, os colombianos, devem estar morrendo de rir de nossa cara, pois levam nossos reais e ainda gastam um pouquinho no cassino; têm turismo e vôos para Bogotá por R$ 180,00.

O fórum de debates

À noite, no bem-cuidado auditório do Exército, compareceram estudantes e professores da UEA. Como de praxe, falei sobre o livro. Mostrei a importância de sermos pragmáticos nas análises sobre os dados de desenvolvimento que os governos federal e estadual nos apresentam pela mídia. De nada adianta índices tais e tais se não temos qualidade de vida na ponta, na vida quotidiana do indivíduo.

Mas, ainda lembrando do posto de gasolina, não me contive em perguntar: “O que vocês esperam para o futuro econômico que aguarda essa massa de formandos da universidade? E para seus filhos e netos?”. A resposta foi rápida: “Tente arrumar empresários para aqui investir”.

Pensando no assunto, resolvi terminar esta coluna com um ‘bilhete’ ao governador.

Caro Governador,

Bom dia. Excita saber que Vossa Excelência esteja lendo os jornais. O senhor dormiu bem? Acho que não. Já passa das 11h e ainda está em casa.
Humm, bom esse seu café da manhã... frutas, pães, presunto, queijos. Cuidado com a forma. As eleições estão chegando e o senhor precisa entrar em forma.
Bem, aproveitando que estou aqui em sua mesa, compartilhando de sua intimidade, vai uma sugestão de negócio do pessoal do Alto Solimões.

Ouvi dizer que Vossa Excelência é também empresário, e que aposta no Amazonas – embora alguns ‘maledicentes’ digam que o senhor prefira investir na Suíça (que injustiça!).
Pois bem. Após analisar o mercado de Tabatinga –aquele município distante, que um dia o senhor foi pedir votos–, concluí que até hoje nenhum corajoso empreendedor viu a ‘grande’ oportunidade que seria montar lá um posto de gasolina. Um daqueles com loja de conveniência, onde, além de alimentos e revistas, venda também uísques e perfumes importados. E uma coisa eu garanto: o senhor não terá concorrência, pelo menos do Brasil.

No ensejo, e considerando sua aproximação com Lula, que tal uma sociedade sua com ele? Dizem que o presidente tem uns investidores cubanos (capitalistas?) dispostos a aportar umas verdinhas... Só não esqueça de pagar os impostos em dia e de declarar tudo na contabilidade. Essa coisa de ‘caixa 2’ e sonegação tem dado uns probleminhas.
Creio que Vossa Excelência irá ganhar muuuuito dinheiro... ou entender que seu ‘Amazonas em Ação’ não passa de balela, incapaz de agir contra a ‘Insanidade e a Letargia em Ação’.

... Que isso, governador, calma... o senhor me mandou pra onde? Ei, não bota a mãe no meio... (silêncio).
Aos que ainda estão lendo, vai meu diagnóstico: Nosso interior vive em profunda recessão. Para o futuro, de duas, uma: ou o interior continuará ‘exportando’ pessoas para a capital, ou a região ficará inchada de miseráveis... E a culpa será dessa sonolência palaciana.

Esta coluna é publicada às quintas-feiras e é elaborada sob a coordenação do administrador de empresas com MBA pela FGV, Júnior De’ Carli. Site: www.juniordecarli.com.br E-mail: junior@juniordecarli.com.br


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