Itacoatiara, o resgate de sua história é retomar sua memória (28/10/2005)


Júnior De Carli

Nos últimos meses pouco tenho parado em Manaus. Naira, minha esposa, Giulia e Carlos Augusto, meus filhos, já me chamam por ‘cabeça de bacalhau’ (todo mundo sabe que existe, mas não vê).

Em meio a frenético ir e vir do interior, recebo ligação sugerindo nova visita a Itacoatiara. Apesar das duas recentes idas àquela cidade, o convite pareceu especialmente tentador.
Fernando Nelson, mais conhecido como Jerry, e o professor Frank, da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), figuras carismáticas e dedicadas à cultura da cidade, resolveram, mesmo sem auxílio do poder público, desenvolver projeto para resgate de uma das mais belas edificações da cidade. Digo tentador pois o objetivo final é especialmente nobre: criar o Largo do Izagui.

O tema central do projeto visa à recuperação de prédios que contêm imensa história, porém escondida por ruínas. Destaca-se no cenário a ‘Casa Comercial’, construída em 1890 pela família judia Izagui, que um dia foi símbolo das exportações e importações que fomentavam a atividade econômica daquela comunidade. Bela e diferenciada, seu estilo arquitetônico deslumbra por ser eclético. Mistura barroco, neoclássico, grego e gótico. Fantástico!

Judeus sempre tiveram tino especial para o comércio. Povo sofrido, tantas vezes perseguido, jamais se deixou vencer pelas adversidades. Desde muito, circulam o mundo em busca de boas oportunidades, boas praças, bons produtos. Acharam Itacoatiara. E o tragicômico é que nosso governo não enxerga isso.

Apesar de serem monoteístas convictos, postaram em destaque a imagem de Mercúrio, o deus grego do comércio, e ao lado duas ninfas inspiradoras. São belas peças em cerâmica produzidas na Itália. Logo à frente, construíram escadaria para que mercadorias viessem e fossem para a Europa, através dos inúmeros navios que lá aportavam. Outra ironia. Hoje, apesar de existir um porto, navios há muito não se vê.

Dezenas de obras foram levantadas em Itacoatiara, dando charme especial àquela cidadezinha cravada em plena floresta amazônica. Mas pelo menos 15 estão nesse contexto de abandono absoluto. As demais foram simplesmente destruídas.
O prédio Oscar Ramos é outro bom exemplo. Construído em 1900, serviu de entreposto para materiais da estrada de ferro Madeira-Mamoré, sendo mais à frente também dedicada ao aviamento.

Itacoatiara, que antes pulsava em meio à cultura e à promessa de desenvolvimento, foi pouco a pouco sendo abandonada. Daqueles tempos, daquela cultura, pouco restou. Desde o final da década de 1940 não se vê nada além de extrativismo exacerbado. O comércio minguou, a cidade estagnou, a cultura foi posta de lado. Nem mesmo seus sítios arqueológicos são valorizados à altura de sua importância. Uma pena!

Então, qual o projeto? e quem se empenha?

Resta claro que pouquíssimo valorizamos nossa cultura. Nessa débil linha, a própria Secretaria de Cultura do Estado, apesar de promover um ou outro evento no interior, mais parece um Órgão Municipal de Manaus, priorizando sempre restaurações na capital.
Jerry, Frank e outros colaboradores, apesar da falta de apoio, tanto da sociedade quanto do poder público, ‘teimam’ em resistir à idéia do descaso. E isso é digno. Lutam para resgatar alguns de nossos marcos históricos. Afinal, por que não lutamos por nosso ‘pelourinho’, onde além da beleza seja fortificada nossa cultura, com oferta de artesanato, música, folclore; onde tenhamos um lugar agradável, aprazível, para uma boa prosa... Por que não?
Fico imaginando o que fariam franceses, italianos e ingleses diante de tal situação. Temos que tomar vergonha na cara, caso queiramos ser socialmente desenvolvidos.
A identidade e a memória de um povo também se refletem na forma de como conduz a preservação da cultura e de seu patrimônio histórico... Que disso ninguém duvide.

Por fim, o evento...

Com muito empenho e determinação, o Projeto Izagui tomou corpo num belo evento, realizado no último dia 15. Vimos apresentações de artistas locais e de Manaus. De todos os lados surgiram trabalhos e pessoas que representavam oficinas de artes em geral, artesanato, obras literárias e música.

Mesas foram colocadas ao ar livre. Aqui de Manaus compareceram várias figuras de destaque, a maioria ligada à cultura, desde o impagável Simão Pessoa, escritor e jornalista, até Abrahim Baze, do programa Literatura em Foco, além deste modesto articulista.
Por tudo, quem lá esteve, ou por lá passou, saiu com a certeza de que podemos fazer algo em prol de nossa cultura, nossa história, nossa gente.
Ao povo itacoatiarense, tenho certeza, digo que uma semente de esperança foi plantada. E dela, espero, será germinado o orgulho por nosso interior e a esperança por nosso futuro.

Esta coluna está sendo publicada nesta sexta-feira de forma excepcional e é elaborada sob a coordenação do administrador de empresas com MBA pela FGV, Júnior De’ Carli.
Site: www.juniordecarli.com.br E-mail: junior@juniordecarli.com.br


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