Articulista resgata lembranças de sua viagem ao município de Itacoatiara (01/09/2005)


Júnior De Carli

Sexta-feira, 26 de agosto. Com exatas duas horas de atraso, às 10h05, zarpava “nosso” barco com destino à Itacoatiara. Missão: debate com leitores itacoatiarenses sobre o livro ‘Mudanças e Contextos – De Jesus Cristo a Bill Gates’.

Dentre os passageiros, além de mim, estava parte de meu precioso tesouro. Minha carismática e comunicativa esposa Naira, meu prodigioso irmão Paulo De’ Carli, acompanhado de sua bela Dani. Embarcaram ainda alguns inseparáveis e entusiasmados amigos. Na mala, centenas de livros e muitas idéias.

Família, amigos e intelecto. Esse tripé, sem dúvida, é o mais valioso patrimônio de um homem.

Sete horas de viagem. Paisagens inacreditavelmente lindas. Nas margens do Rio Amazonas, e também do Paraná da Eva, ribeirinhos praticavam agropecuária em pequena escala. Interessante imaginar o cotidiano daquelas pessoas: Ao raiar do sol, trabalho duro; à noite, um dedinho de prosa e ‘rede’.

Ao vivo e a cores, contemplávamos a economia de subsistência. Parte do trabalho para consumo próprio, e o excedente para negociação. Bill Gates, a propósito, fez, em parte, o mesmo percurso. O que terá pensado o mega-empresário, o homem mais rico do mundo? Nada, provavelmente. Para ele, suponho, era só paisagem.

O sol começava a se pôr quando avistamos o complexo da Hermasa. Um pouco mais à frente, a cidade. O rio corria forte, certificando que quem vai no comando sabe realmente o que faz. O barco enfim atracou, sendo amarrado no corroído flutuante do porto de Itacoatiara. Por impulso, pensei: “cadê a competência do Estado para administrar portos?”. Mas logo me contive: “Ok, ok. Pare com isso. Esse não é o motivo dessa viagem”.

Mais alguns minutos e os motores desligaram. Veio a bordo Hiléia e sua irmã Tunísia, ambas da cidade. Hiléia, agitada, rapidamente passa a programação: “O evento será no Fórum da Cidade. Estarão presentes professores e alunos universitários, além de algumas personalidades locais. Às 19h30 virá uma Van buscar a todos... agora tenho que correr”. A jovem fazia três ou quatro coisas ao mesmo tempo - uma lutadora!

Chega o veículo combinado. Ao volante, Kedinho. Rapaz politizado, eleitor incondicional de Jefferson Péres. Demos uma volta na cidade e paramos em frente da sede do Poder Judiciário. Na entrada do prédio, somos recebidos por uma simpática senhora, a quem todos carinhosamente chamam por Mariazinha. Belo prédio. Aliás, bela cidade.

Entro no auditório. Começo a falar. Os presentes assistem à minha palestra, e também a um vídeo sobre o livro. Mas eu estava ansioso mesmo era por ouvir aquelas pessoas. Então abri o microfone para perguntas. Silêncio. Alguns segundos pareceram uma eternidade. “Será que leram?”, pensei.

Então levanta alguém de óculos. “Sou o professor Frank, administrador do Campus da Ufam...”. Discorreu sobre o livro inteiro. Fiquei boquiaberto. A seguir nova pergunta, mais uma, e outra, e outra... internacionalização da Amazônia, apocalipse, Einstein, bomba atômica, humanismo, Hugo Chávez, concentração de renda, Lula... Fantástico! Eles leram.
Se meus posicionamentos estavam certos, não sei. Mas saí com a certeza de que aquelas pessoas são inteligentes e preparadas. Embora esquecidos pelo ‘poder’ da capital, superam-se a cada dia, fugindo do isolamento intelectual.

Por tudo, dou a Itacoatiara meus aplausos, meu respeito e minha consideração. E digo que de lá saí feliz, pois deixei sementes plantadas. Sementes simbolizadas por meu livro e pela emoção transmitida a cada mão que apertei, a cada mão que beijei.


No dia seguinte, um joguinho de ‘futebol político’

Na manhã de sábado, chega ao barco o Mestre Universitário Frank. Junto, traz o simpático professor de ensino médio Antônio e sua esposa, também professora de crianças e jovens. Juntam-se a eles Jerry, portuário de “navios fantasmas”, Ignácio Guedes Jr. e Miguel Cordovil, empresários locais. Eis que completa o grupo a competentíssima Hiléia.
Começa longa conversa. Cada qual mostra sua empolgação e sua angústia. Falamos um pouco de tudo, e também sobre política. Veio à baila Amazonino e Braga; o atual e o ex-prefeito. Por fim, uma conclusão: Se o campo político de Itacoatiara fosse um jogo de futebol, estaria o ‘time local’ perdendo de goleada.

O setor moveleiro vai mais ou menos. Navios para buscar madeira... ninguém sabe, ninguém viu. E apesar das belezas naturais, dos aspectos históricos da cidade, do potencial em artesanatos, turismo mesmo só quando vêem os imensos cruzeiros passando direto para Manaus.

Sobra o comércio, que, com pouco dinheiro novo circulando, sente cada dia mais dor no calo. Fora a Hermasa, a economia local depende do esforço sobre-humano de alguns obstinados. Quanto à atuação pública, ao invés de prover ações para que o povo pudesse comprar ingredientes, dá a sopa; ao invés de saúde bucal, dá dentaduras.


Mas o ‘jogo’ ainda não acabou...

Começa o segundo tempo. O jogo dura quatro anos, às vezes oito. Então a galera cala. Uns poucos comemoram. A intenção do time local foi boa, mas o drible ‘adversário’ foi melhor e o gol contra... da Zona Franca Verde, nada de “verde”, nem de “franca”. No placar o nº. 4, o preferido dos políticos. Afinal, a cada quatro anos entram de sola na sobra, garantindo ao menos a ‘Zona’... Eleitoral.

O suor dessa gente há de ser recompensado, pensava. E já estava eu no barco voltando para Manaus. Era madrugada. O céu surgia limpo e estrelado. Quieto, imaginava em como iam virar o jogo. As estrelas me lembraram os olhos de Hiléia, e os dos demais com quem conversei. Havia ali a essência de minha mensagem na palestra: o brilho da esperança.
Após tanto tempo, tanto sofrimento, tantos erros, a palavra mágica surgiu clara como a lua da bela noite: ‘Renovação’. E assim será... assim tem que ser.

Esta coluna é publicada às quintas-feiras e é elaborada sob a coordenação do administrador de empresas com MBA pela FGV, Júnior De’ Carli. Site: www.juniordecarli.com.br E-mail: junior@juniordecarli.com.br


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