O PT não conhece o tempero chinês (18/08/2005)


Júnior De Carli

Os chineses são de fato diferentes. Desde muito, suas terras foram alvo de cobiça. O Japão, por exemplo, à época da Segunda Grande Guerra, queria porque queria ao menos parte daquele enorme espaço. Tanto que os nipônicos enfrentaram Deus e todo mundo, mesmo após a derrota alemã.

Era uma China meio provinciana, cuja milenar cultura teve sempre um “quê” de bela filosofia. Pois bem. Após a guerra tudo mudou. Os chineses cresceram e apareceram. Sob o manto soviético, e por detrás da cortina de ferro, fizeram-se enfim respeitados. Ninguém mais quis confusão com eles.

Depois, com o descortinamento e falência do comunismo stalinista, rapidamente os chineses se adequaram, tornando-se ainda mais respeitados. Só que com um tempero a mais: o mundo passou a cobiçar sua capacidade produtiva e seu potencial de consumo.
Na virada do milênio, a China recebeu Hong-Kong de volta, usou-a de escola. Contrariou a todas as expectativas, que previam retrocesso nas conquistas vindas pela competência britânica, sua ex-colônia. Então os chineses galgaram o posto de potência econômica.

Voltando no tempo, há exatos 25 anos, nascia noutro lado do mundo um novo partido de esquerda. Era o PT. Aos operários sindicalizados logo juntaram intelectuais e até parte da igreja, dando certa forma didática às ideologias marxistas. E isso deu certo lastro ao movimento.

Eram referências para o PT países como Cuba e União Soviética, além da encardida boina do argentino Guevara. Mas a China, meio esquecida por todos, quietinha, dia a dia aumentava sua força. Tanto que se mantiveram como o único reduto “comunista” solidamente edificado.

Quando Lula chegou enfim à presidência, saiu à procura de outros líderes alinhados à ideologia de seu partido. Afinal, parceria em bloco com “iguais” fazia parte de seu projeto de poder. Porém, achou somente o isolado Fidel. Desanimado, coçou a barba e... a China! Isso, a China! “Para enfrentarmos a Alca vou a Pequim, e convencer aqueles camaradas vitoriosos sobreviventes da derrocada comunista”, pensou. “Vou propor um bloco econômico alternativo para enfrentar os norte-americanos. Os Chineses têm mão-de-obra sobrando, dedicação ao trabalho quase robótica, um exército de tamanho inigualável... bomba atômica. Perfeito!”, esforçou-se para continuar pensando.

Ocorre que o PT não evoluiu. Ficou intelectualmente amarrado à realidade de 1980. Pior, em verdade ficou em 64. Por que interessaria aos chineses o Brasil, podendo ter a América como parceira? Por ideologia? Mas que ideologia? A soviética? Mas cadê os soviéticos? Brasil? Que Brasil que nada. Eles querem algo mais, querem a economia de mercado, querem consumidores, querem manter distante o ostracismo econômico em que se meteu Cuba.

Assim, antes das tantas viagens, com dinheiro público, naturalmente, alguém deveria ter lembrado ao presidente que a Guerra Fria já acabou; que o mundo não mais se divide ou une em torno de blocos ideológicos, mas em blocos de interesse econômico. Teria sido fundamental entendermos o tempero deles, não só na comida, mas também na política e na economia.

Definitivamente o modelo chinês é híbrido. Um pouco de cada ideologia, com algo mais. Tal qual sua comida, é indecifrável, colorida, porém suculenta - as propagandas do “China in Box”, por exemplo, são de enlouquecer.

A ética chinesa com a coisa pública

Tem outra nuance na cultura pública chinesa sobre a qual Lula não pesou. Como regra, aquele sistema não tolera corrupção. Não que chinês seja santo, não que sejam sobre-humanos. Eles têm lá seus outros defeitos - radicalismo exacerbado, trabalho mal remunerado, liberdade sistemicamente cerceada, e por aí vai. Mas quando pegam alguém com “a boca na botija”, aplicam penas severas, de arrepiar cabelos até no lustroso cabeção de Marcos Valério.

Vejamos, por exemplo, o que aconteceu a Liu Jinbao, ex-presidente da subsidiária do Banco Chinês em Hong-Kong. Foi condenado à morte. E seus vice-presidentes a 13 anos de cadeia e multa de US$ 247 mil. Embora aquele país seja chamado por República Popular da China, tem-se que tomar cuidado para não supor tratar-se de uma democracia. Sei não se permanecem comunistas, tampouco sei se são capitalistas.

Mas alguns traços de comportamento são claros: chineses são pragmáticos e têm inteligência diferenciada, estando abrigados sob um regime duro o suficiente para repudiar nossos comunistas de araque. Como será que os chineses encarariam os escândalos financeiros que atolam o PT, temperados com dólares de corrupção?

O pragmatismo de Jefferson Péres?

Por falar em ética, Jefferson Péres foi realisticamente cortante em sua análise sobre parcerias comerciais amparadas pela política démodé que Lula acredita - ou acreditava: parcerias por alinhamento ideológico.

Tanto que disse o senador: “No mundo de hoje, os países não têm mais amigos nem inimigos (...) o engajamento ideológico, em política externa, não tem mais razão de ser (...) em política externa, os chineses são de um realismo brutal. Jamais formarão bloco político nenhum, muito menos contra os Estados Unidos (...) tomara que Lula tenha aprendido com os pragmáticos chineses...”.

E experimentando esse novo tempero político, que o Brasil vem homeopaticamente descobrindo, mudo um pouco a cada dia minha visão pessoal sobre o estereótipo correto do político carismático. Mais vale o pragmatismo que a utopia; mais vale a dura verdade que mentiras confortantes.

Quem dera tivéssemos muitos Jeffersons no Congresso, nos Estados, nos municípios e, por que não, na presidência... quem dera!

Esta coluna é publicada às quintas-feiras e é elaborada sob a coordenação do administrador de empresas com MBA pela FGV, Júnior De’ Carli. Site: www.juniordecarli.com.br E-mail: junior@juniordecarli.com.br


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