Articulista critica postura de Lula da Silva (26/07/2005)


Júnior De Carli

Senhor Presidente,

Aqui quem escreve é alguém do povo. Espero que esta chegue num bom momento. Que todos em sua ‘casa’ estejam bem, com saúde. A propósito, seu ombro, como vai? Pela telinha tive a impressão que o senhor envelheceu um pouco, mas tá bonito, com cara limpinha, barba bem-feita, bem-vestido.

Vi seu discurso pela TV. O senhor pareceu realmente emocionado... bonitas palavras.
Mas meu caro, caríssimo (!), creio que para seus conterrâneos, assim como para mim, e para outros milhões de telespectadores, algo pareceu meio paradoxal em sua fala. Você culpou “a elite” por seus problemas políticos! Falou da elite com certo asco!
Minha impressão foi de que havia certo complô malévolo de poucos contra muitos, e que o senhor seria um defensor das “vítimas”. De fato, a maioria da população, vítima da corrupção, não pertence à elite, tanto quanto você, digo, Vossa Excelência, um dia não pertenceu.

Mas hoje, supomos todos, o senhor pertence à mais alta casta da sociedade... aliás sobre isso tenho certeza, sou até capaz de apostar. Sua magnífica e vitoriosa carreira lhe garantiu esse status. Queira o senhor ou não, presidente, Vossa Excelência pertence à elite, ao topo dela.

Por isso, confesso que fiquei meio confuso com o que ouvi em seu desabafo. Pareceu que o senhor estava sendo perseguido, injustiçado, tripudiado; pareceu que o senhor não estava feliz, que estava insatisfeito... o senhor tava bravo mesmo!

Porém, desculpe a franqueza, sinto que nós brasileiros, em especial os mais pobres - de Garanhuns pra cima, pra baixo e pros lados - têm, ao contrário do senhor, diariamente baixado a cabeça... os tempos estão difíceis.

É, eu entendo, às vezes a memória falha. Vou, por isso, relembrar o senhor sobre fato triste da história presente, passada e, infelizmente, futura, de grande parte de seus admiradores - homens, mulheres e crianças: Sofridos, como um dia o senhor já foi, essas pessoas, hoje, assim como ontem e também amanhã, não têm como se alimentar, não têm educação, não têm esperança. Essas pessoas não vão chegar a lugar nenhum, nunca.

Então, já que muitos dos excluídos não sabem escrever, tomei a liberdade de aqui escrever por aqueles pobre-coitados. Assim, lá vai:

Como Vossa Excelência deve supor, a maioria votou no senhor, na ânsia de descobrir o significado da palavra “futuro”, mas sequer imaginavam o que seria morar num palácio de Brasília, comer filé, conhecer outros países, aparecer no jornal... jornal, o que será isso?
No máximo, senhor presidente, as pessoas sofridas deste Brasil pensam em como chegar ao final do dia, em como fazer para dar algo de comer a seus filhinhos, miseráveis, magros, tristes. Muitos deles, com mais sorte, morrem ainda pequenininhos, e viram anjinhos... Triste, não?

Mas, graças a Deus, o senhor sobreviveu. Foi para São Paulo, deu esperança a todos; construiu o PT e venceu! Esse é o paradoxo: como imaginar alguém aí liderando a “corte”, e falando mal dela. O Senhor não é o chefe?

Seja como for, pelo que entendi, creio que “Vossa Excelência” não queira mais ser chamado com tal deferência, que não mais queira pertencer à elite. Ora, então aqui vai minha sugestão: Renuncie! Volte para o Nordeste, na carroceria de um caminhão; redima-se com aqueles que depositaram esperança no senhor; volte a ser um simples “você”. Somente assim o senhor terá moral para dizer: “a elite não me fará abaixar a cabeça”. E, quem sabe, até sua memória volte.

Vítimas e vitimados

Quer saber? Duvido que o senhor renuncie. O poder embriaga. Tal qual licor, o poder é doce. O senhor, como Dirceu, Genuíno, e outros, não vão largar essa guloseima. Nunca!
Sabe, presidente, não é a elite, à qual o senhor pertence, e a quem o senhor tanto beneficia, culpada pelos desmandos em seu partido e no governo. A culpa é de seus “companheiros”... a culpa é sua!

E assim, presidente, ainda que tenha sido o senhor hipnoticamente musical, não senti sinceridade na melodia. Prefiro ficar com o triste “cântico” de Jefferson Péres: “Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é ‘fado’”... logo, de amargura, abaixando a cabeça.

Lição de mãe

“... minha mãe não sabia fazer um ‘ó’ com copo, mas me ensinou a andar com a cabeça erguida”. Os presentes aplaudiram... e você, Lula, se emocionou!
Confesso que me senti mal. Aquela cena, literalmente cênica, até hoje não saiu de minha cabeça. Não porque concorde, não porque tenha pena de você, não somente porque - como disse Arthur Neto - eu acredite ser você um “idiota” manipulável. Seus brados são recorrentes porque não fazem qualquer sentido.

É de fato impressionante imaginar um retirante nordestino chegando à Presidência da República. Mas essa não é a questão. Você não é mais um retirante, tampouco é pobre, menos ainda alguém que necessite de assistencialismo governamental. O ponto omitido naquele discurso é que estamos falando de alguém com o título de “Vossa Excelência”, alguém que ocupa o mais elevado e bem remunerado cargo dentre os funcionários públicos.
Você, Lula, é o presidente desta grande nação, portanto a personificação máxima da elite. Tanto assim que voa num avião de milhões de dólares (melhor que o de Bill Gates), tem cartão de crédito sem limite, usa ternos caríssimos, mora num palácio e trabalha noutro. E mais: Seu filho é sócio da Telemar, que somente no último negócio deu-lhe nada menos que R$ 5 milhões. Se isso não é pertencer à elite, então não sei mais nada.

Em sinal de respeito...

Nem sempre abaixar a cabeça é fraqueza de caráter. Os japoneses assim fazem para cumprimentar, os mulçumanos para reverenciar a Deus... mas os pobres abaixam de tristeza, de vergonha.

Ninguém sem condições de ter e oferecer dignidade fica com a cabeça erguida. Com esse mote, Lula, você foi eleito. Votaram num representante do povo, num “igual”, na esperança. Cada sofrido pai de família queria poder levantar a cabeça, mas quando assim fizeram viram Marcos Valério, Delúbio Soares, Dirceu, Genuíno e o próprio presidente “rindo” da cara deles... e logo abaixaram de novo a cabeça, só que dessa vez por dor na consciência.

Então abaixe, sim, a cabeça, Lula. Faça em respeito aos milhões de famintos, aos analfabetos, à sua origem, à sua mãe... em respeito às urnas.
Pela alma das crianças que morreram com a falta daqueles milhões roubados, pelas lágrimas de amargura derramadas por homens feitos, calejados pela vida, pelo sofrimento... abaixe a cabeça e peça perdão.

Esta coluna é publicada às quintas-feiras e é elaborada sob a coordenação do administrador de empresas com MBA pela FGV, Júnior De’ Carli. Site: www.juniordecarli.com.br E-mail: junior@juniordecarli.com.br


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